Já eram 19:15 e nada de você aparecer. Pra variar, seu atraso não me é surpresa. Porém, confesso sentir um certo medo, afinal, é a primeira vez que você me faz esperar desde quando voltamos a nos ver. Ainda não era noite, mas o sol já começava a fazer o seu último ritual do dia e eu, estava ali, naquela rua deserta, a sua espera. Até que, para minha alegria, vejo seu carro dobrar a esquina. Respiro aliviado.
Entro no carro, você fecha os vidros negros para que ninguém nos veja e e então nos beijamos como se fosse a primeira vez. Era tão bom sentir novamente tudo aquilo. Sentir como se cada segundo com você fosse como no passado.
Percorremos a cidade pelas ruas menos movimentadas, trocando informações sobre nossos dias, rindo das situações cotidianas e sim, felizes. Até parece que não havíamos trocado mensagens pelo celular durante todo o dia, descrevendo até o que acontecia quando cada um ia ao banheiro.
Mas hoje, eu estranhamente o senti distante e pensativo. Não estava falante como ontem ou em qualquer um dos dias anteriores.
Ele chegou na esquina da minha rua e parou o carro. Entrei e saí sozinho do meu apartamento, verifiquei se realmente não tinha ninguém em casa e lhe dei o passe-livre. Logo em seguida nos encontramos no meu quarto. Não podíamos correr o risco de sermos vistos juntos.
Hoje foi diferente. Ele não chegou correndo, trancando a porta e me jogando na cama. Ou então, me arratando para um banho frio. Ele deitou e pediu para que eu o abraçasse. Fiz. Podia sentir seu coração bater forte. A cada batida do seu coração, o meu dava um suspiro. Ou então um grito. Ou mais do que isso. Podia senti-lo querer voar pela minha boca e arrancar aquele nó na sua garganta.
Acendi um cigarro e lhe ofereci um. Passei-lhe o esqueiro e então o vi tragar lenta e profundamente.
Não conseguia entender o que estava acontecendo. Hoje seu celular não tocara; pelo contrário, permaneceu desligado por toda a noite. Hoje ele não sentiu fome, ficou calado, abraçando-me.
Eu estava tão confuso que podia ver o redemoinho de dúvidas que girava na minha mente. Não sabia o que estava acontecendo de errado. Todo aquele amor guardado estava finalmente sendo colocado para fora. Estávamos conseguindo manter esse segredo do mundo. Nossos sentimentos estavam virando planos concretos para o futuro, mas eu o conhecia e sabia que a partir daquela noite, alguma coisa estava para mudar.
Até que resolvi o questionar e saber o que estava o perturbando. Ele não falou nada. Pelo contrário, levantou-se, agarrou os sapatos jogados no canto do quarto, apanhou a carteira e a chave do carro de cima do criado-mudo e apenas disse: vem.
Eu pulei dentro de algum calçado e fui atrás dele. Esqueci de pegar meus documentos, dinheiro, celular.. tudo! Só o segui. Entramos juntos no carro. Naquela hora muitas coisas se passavam pela minha cabeça. O que estamos fazendo? Podemos ser vistos! Mas não tive coragem para quebrar o silêncio com algo além de um suspiro.
Percorremos toda a avenida que beira o mar: mudos. Ele estacionou o carro e fomos andando pelo deck de madeira no fim da orla. Andamos, andamos e andamos. Quase no fim da trilha, ele sentou em um dos bancos e deixou lugar ao seu lado para que eu me sentasse. Ficamos ali, observando toda a imensidão do mar e todo o paraíso que nos cercava.
Foi então, que coçou a garganta e disse:
- É lindo, não é?
Falhando a voz, concordei com ele e peguei na sua mão. Foi então, que virou-se para mim e começou a falar:
- Já faz alguns dias que venho pensando nisso. Há um mês, desde que voltamos a nos falar e ficar juntos, tenho pensado nisso. Sabe, já não somos mais crianças, sabemos aonde isso tudo pode chegar. Tivemos tempo o suficiente para conhecermos o melhor e o pior de cada um.
Nesse momento, fixou seus olhos nos meus. Eu o encarei e me perdi dentro do seu olhar. Seus lábios movimentando calmamente e proferindo todas aquelas palavras.
- Eu sei que estou longe de ser a melhor pessoa do mundo - continuou - e você também não está muito perto disso. Eu sou errado, tenho a cabeça dura e eu sei o quanto isso o irrita. Você então, sabe exatamente como me deixar abalado e quando quer, não mede esforços para isso.
Uma lágrima rolou dos meus olhos. Conseguia ver todo o negro se formando em minha volta e já conseguia ver o estrago que meu coração estava prestes a sofrer depois de tanto tempo que passei tentando reconstruí-lo.
- Não quero mais ter que passar por isso - ele falava e eu só conseguia pensar em uma maneira de evitar a dor - você e eu juntos, é algo difícil de dar certo. O mundo está contra nós, as situações estão contra nós.
Voltei meus olhos para o chão e concordei com a cabeça. Ele continuou dizendo:
- Erramos tanto e eu não quero mais isso. Eu quero acertar dessa vez. Nada está ao nosso favor. Mas eu sei que nós dois juntos podemos dar um jeito nisso e lutar contra tudo e principalmente, contra o pior que existe dentro de cada um.
Naquele momento, reencontrei seu olhar e não conseguia mais raciocinar. Aonde ele estava querendo chegar? Vendo as dúvidas gritando dos meus olhos, não parou de falar:
- Vamos fazer dar certo? Vamos levar essa história a sério? Como falei, não somos mais crianças e sabemos aonde isso pode chegar. Sabemos o quanto felizes podemos ser se dermos o máximo de si um pelo outro. Não quero perder essa chance. Podemos sair juntos pelas ruas, podemos mostrar pro mundo o quanto somos capazes de amar e não devemos nos importar com o que vão achar. Descobrimos no mundo que preferimos estar presos dentro de quatro paredes desde que estejamos juntos. Eu não quero mais te perder. Eu não quero mais deixar pra trás o que sempre esteve guardado. Por favor, deixe-me ser seu.
Abracei-o. Senti nossos corações batendo sincronizadamente, aliviados com a garantia de um futuro juntos. O céu irradiava infinitas estrelas brilhantes, assim como cada gota de sentimento que morava em nossos corações.
Augusto Cruz
Nenhum comentário:
Postar um comentário