Uma xícara e meia de café, alguns cigarros e um incômodo profundo que me atordoava. Parecia que, de repente, já não me encaixara àquele lugar tão particularmente desapropriado a mim. Apaguei as luzes da casa, deitei-me do lado direito da cama e segui a vida metódica que estávamos levando – a programação da tevê aberta e aquele travesseiro vazio e afundado ao meu lado.
O tempo passava no relógio e uma dose de corrosão atropelava minhas artérias. Palavras presas na garganta e nenhuma perspectiva de que fosse proferi-las. Já não me interessava mais.
Acordei com o barulho do carro estacionando na garagem. Mas mantive-me com os olhos fechados. Coragem é um estado de espírito que vem como a maré. A movimentação na casa mexia com tudo o que gritava em meu eu. O diálogo dispensava qualquer espécie de linguagem. Deixávamos que as paredes falassem por nós e que o eco do silêncio nos desse as respostas.
Eu sabia que dias como estes o deixavam num cansaço físico e mental elevado. O travesseiro já preenchido, assim como todo o outro lado da cama, me desconfortava ainda mais. Não havia mais nada ali, só um abismo.
Fixei meu olhar nele, adormecido. Procurava ali resquícios da admiração que uma vez sentira. Remexi todo o velho baú de memórias, construído e reconstruído, tentando não quebrar nenhum outro pilar ou arrancar algum caco colado. Vieram-me lembranças de restos de felicidade. Aqueles momentos que deveriam ter durado para sempre. Não fossem os fantasmas do passado, frios e meticulosos, tudo estaria em harmonia. Eu não sabia exatamente se a desarmonia pairava-me ou pairava-nos. Cicatrizes tão visíveis no interior tiravam-me a lucidez. Talvez não lhe fosse o culpado. Outras marcas estavam aqui. Deixaram um borrão que atrapalhavam a visão. Encharquei-me, deitei lentamente e dormi.
Tinham crianças brincando em algum lugar que não conhecia. Era um parque, destes de bairro. Corriam para um lado e para o outro e eu as orientava. Todas elas estavam ali por mim. Fizemos brincadeiras de rodas, vestindo traje cítrico. O gramado exalava. Surpreenderam-me com aquele beijo. Idêntico ao da primeira vez. Aquele segundo de eternidade voltou a se repetir. Uma palha de esperança incendiou. Mas as crianças olhavam, não é o momento. A razão ficou para trás. Uma porção de dúvidas, realidade e imaginação. A negritude do quarto voltando a tomar conta da minha consciência e o sabor de seus lábios, antes do outro lado do abismo, já me afogava. Delírios e arrepios. As paredes gritavam, ensurdecendo-me. O eco nos vãos dos travesseiros. O sabor daquela xícara e meia de café.
O despertador soou. Levantei-me. O travesseiro vazio e afundado.
O despertador soou. Levantei-me. O travesseiro vazio e afundado.
Augusto Cruz
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