segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Poética

Estou farto do lirismo comedido.
Do lirismo bem comportado.
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente,
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais.
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção.
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis.
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo.
De resto não é lirismo.
Será contabilidade, tabela de co-senos, secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira

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